Chamada até 12/10: “Profissões intelectuais” e mudança política em Espanha e Portugal, nos anos sessenta e setenta (UAMadrid, 10-11/12/25)
Chamada para contribuições
Colóquio internacional
Faculdade de Filosofia e Letras
Universidade Autónoma de Madrid (UAM)
10-11 de dezembro de 2025
“Profissões intelectuais” e mudança política em Espanha e Portugal, nos anos sessenta e setenta
Contextualização:
Durante o outono de 2024, a RTVE transmitiu Las Abogadas, livremente inspirada na trajetória de algumas advogadas especializadas em direito do trabalho, comprometidas na oposição à ditadura franquista nos anos sessenta e setenta, e cuja trajetória foi marcada pelo atentado de Atocha de 1977, perpetrado por militantes de extrema-direita com o objetivo de enfraquecer o processo de transição democrática em curso (https://www.rtve.es/play/
O presente colóquio tem precisamente como objetivo explorar e caracterizar as relações entre os grupos profissionais e a política no contexto do fim da ditadura de Francisco Franco (1939-1975) em Espanha e do regime ditatorial português (1926-1974), centrando-se no caso das profissões intelectuais e no conhecimento especializado dessas profissões. Trata-se, portanto, de considerar a mudança política a um nível intermédio, através dos grupos de interesse e dos movimentos sociais. Tal como os interesses de classe ou setoriais, as ações e as atitudes destes grupos profissionais –agrupados ou não em associações– talvez não tenham determinado o calendário da mudança de regime nem o seu resultado imediato, mas contribuíram para desacreditar e questionar o carácter indispensável do poder autoritário ou para influenciar a natureza da democratização (Schmitter: 1995). As tentativas do poder de reforçar o seu controlo, como é o caso em Espanha com a Lei de 13 de fevereiro de 1974 sobre as ordens profissionais (BOE, 1974), destacam o papel que os grupos profissionais puderam desempenhar no fim das ditaduras.
Dado o seu carácter intervencionista e corporativista, as ditaduras espanhola e portuguesa aprofundaram amplamente o movimento de reforço mútuo entre o Estado e os grupos profissionais, que remonta ao século XVIII, e à dinâmica de afirmação dos grupos de interesse, iniciada a partir do final do século XIX (Linz: 1988; Villacorta Baños: 1989; Dubar, Tripier: 1998; Offerlé: 1998). Em contextos autoritários, os grupos profissionais e as suas instâncias representativas são espaços privilegiados onde se desenvolvem dinâmicas de poder e controlo. O Estado, como principal instância de reconhecimento e legitimação social, pode apoiar-se neles para reforçar a sua base/autoridade ou a sua capacidade de ação, recorrendo à perícia de determinados grupos profissionais ou, pelo contrário, reprimi-los se forem percebidos como uma ameaça ou obstáculo às suas orientações políticas, económicas ou sociais, o que favorece atitudes de conformidade e lealdade. Por outro lado, o Estado corporativista favorece a penetração dos interesses profissionais no sistema do poder.
As profissões liberais (advogados, médicos, economistas, arquitetos, engenheiros, etc.), caracterizadas pelo monopólio legal do direito de exercer determinadas funções ou pelo uso reservado de um título profissional, e dotadas de estruturas reguladoras específicas; mas também outras profissões intelectuais (por exemplo, professores e investigadores), são afetadas de forma específica pelo contexto autoritário. Em geral, as profissões intelectuais –termo que utilizaremos para designá-las de forma geral– conseguem manter-se à margem da organização corporativa (representação própria no seio da câmara corporativa, restauração progressiva do funcionamento democrático das organizações profissionais) e conservar ou obter outras vantagens simbólicas ou económicas. Para o poder autoritário, essas concessões são um meio de garantir o apoio dessas elites sociais ou económicas cujos interesses são diversos. A heterogeneidade caracteriza essas profissões intelectuais, dada a variedade de setores de atividade; as condições de exercício, que diferem em particular de acordo com o estatuto que lhes é atribuído (independentes, funcionários, empregados) (Sapiro: 2006); os modos de organização (instituições ordinais, agrupamentos associativos, sindicatos); e a sua antiguidade, que por sua vez influencia o seu grau de estruturação, prestígio e capacidade de ação, individual ou coletiva. Mas, para além desta aparente diversidade, estas profissões partilham o carácter intelectual da sua atividade e, em geral, uma retórica profissional de desinteresse e responsabilidade, que constitui a base da sua reivindicação de autonomia (Paradeise: 1985). Entre o Estado e o mercado, para além dos seus próprios interesses, estariam ao serviço da defesa do “público”, como se observa no caso dos advogados (Karpik: 1995). Esta ideologia profissional adquire outro relevo e é retomada por parte dos membros das profissões intelectuais a partir dos anos sessenta, numa sequência de crescente contestação dos Estados autoritários e de construção de alternativas sociais e democráticas.
O colóquio tem como objetivo, portanto, de determinar as formas e a contribuição das “profissões intelectuais” no processo de transição e de democratização em Espanha e Portugal nas décadas de 1960 e 1970. Centrando-se nestes grupos profissionais, trata-se de aprofundar as possibilidades e os quadros da oposição às ditaduras. Devido à sua autonomia e capital social, as profissões de prestígio e outras profissões intelectuais têm uma maior capacidade de resistência e protesto do que outros grupos sociais. O objetivo é também de explorar a evolução das relações com os poderes autoritários de grupos pertencentes em sua maioria à burguesia ou às classes médias, que puderam beneficiar de posições privilegiadas ou até apoiaram esses regimes, antes de se distanciarem deles (González; 2015; Hoffmann: 2023). Mas também se tratará de mostrar a heterogeneidade desses grupos, que podem ser atravessados por divisões políticas, sociais, geracionais ou profissionais, que determinam as atitudes e posições dos indivíduos em relação aos regimes autoritários. Em suma, o colóquio pretende contribuir para aprofundar as relações entre o poder político e a esfera do conhecimento e do saber, quer em contextos autoritários, quer durante mudanças políticas.
A escolha de um período de cerca de vinte anos responde à vontade de considerar o processo de transição democrática como um processo longo, que inclui não só mudanças políticas e institucionais (partidos, eleições, opinião pública, cultura política), mas também sociais e económicas. Reflete também a preocupação em não singularizar a priori as relações dos grupos profissionais com os Estados em contextos autoritários, mas sim mostrar a capacidade de adaptação –se não de reinvenção– desses grupos perante uma mudança política. Embora Espanha e Portugal partilhem modos de organização profissional e corporativista e uma mesma sequência cronológica de fim das ditaduras e de transição para o estabelecimento de regimes democráticos, o objetivo do colóquio será de mostrar os pontos comuns e as diferenças nas temporalidades, nas possibilidades e nas modalidades de ação das profissões intelectuais no fim das ditaduras.
Neste colóquio, que constitui o arranque do projeto IberPro –Grupos profissionais e Estados autoritários na Península Ibérica no século XX. Perspetiva comparada (Mediterrâneo, América Latina)–, privilegiam-se três eixos de reflexão. As propostas podem inscrever-se num ou em vários deles. O colóquio, de carácter multidisciplinar, está aberto a propostas de historiadores, sociólogos, politólogos e investigadores de outras áreas afins, interessados num melhor conhecimento do profissional intelectual.
Eixo 1: A politização das profissões intelectuais: fatores, temporalidades, espaços
A partir da década de 1960, observa-se uma maior politização da sociedade civil, na qual as profissões liberais e outras profissões intelectuais participam intensamente. Serão bem-vindas as propostas que permitam abordar os fatores dessa politização (mudança geracional, liberalização relativa, abertura e intercâmbios internacionais, etc.), as suas temporalidades (durante os regimes autoritários, em momentos de mudança de regime ou posteriormente) e os seus espaços (Universidade, mundo do trabalho, partidos políticos da oposição, organizações profissionais). Poderá ser dada atenção ao acompanhamento de trajetórias individuais ou coletivas (ambiente social, formação, carreira, redes) emblemáticas do compromisso das profissões intelectuais. Será possível aprofundar a forma como as organizações profissionais são afetadas pela politização de uma parte dos seus membros. São impulsionadoras, expectantes ou hostis a esta evolução? Não se tornam, sobretudo, um campo de batalha tanto para os opositores como para os partidários do regime? Aqui se colocam as fortes divergências que podem existir entre os membros de um mesmo grupo profissional em termos de idade, posição profissional e convicções políticas, que podem afetar a sua influência e capacidade de ação, e que o colóquio convida a ter em conta.
Eixo 2: Mudanças profissionais e mudanças políticas
Trata-se, mais concretamente, de aprofundar as relações plurais entre as dinâmicas profissionais e as mudanças no aparelho estatal e político durante os anos 1960 e 1970. Para encarar o desafio da modernização e da abertura da economia, os regimes autoritários da península viram-se obrigados a mobilizar especialistas e peritos, apesar da sua politização, real ou suposta. Assim, os profissionais puderam ao mesmo tempo servir o regime, opor-se a ele ou tentar fazê-lo evoluir, e depois contribuir para a elaboração das novas instituições. Também são bem-vindas as propostas a questionar os motivos profissionais do compromisso das profissões intelectuais contra ou a favor do regime. Por exemplo, as numerosas coortes de jovens arquitetos são tanto mais propensas a mobilizar-se contra o regime e em nome da «função social» da arquitetura, quanto mais difícil é a sua entrada no mercado de trabalho (Vaz: 2017). O colóquio também pretende interrogar os benefícios obtidos pelos grupos profissionais, ou por alguns dos seus membros, ao comprometer-se contra os regimes autoritários na fase de transição. Será que a legitimidade derivada do papel de “opositor” permite desempenhar um papel político no processo institucional de democratização (papel nos governos provisórios, candidatura às eleições, definição das instituições) ou obter benefícios corporativistas? Por outro lado, quais são os custos políticos e profissionais para os apoiantes dos regimes derrubados?
Eixo 3: Profissões intelectuais e compromissos políticos e sociais
O último eixo pretende desenvolver as formas concretas e os meios de compromisso das profissões intelectuais nos últimos anos das ditaduras e durante o processo de transição política e institucional. O objetivo é, em particular, esclarecer como esses grupos profissionais puderam ser determinantes para apoiar a mobilização de grupos sociais perseguidos pelo regime ou mobilizados contra ele; ver como as associações profissionais puderam ser recursos –ou não– nessas lutas sociais ou políticas; e também examinar os vínculos que foram estabelecidos entre diferentes profissões ao serviço dessas lutas. No âmbito das propostas, outras questões podem ser aprofundadas. Que retórica, que discursos justificavam essas posições ou intervenções? Que tipo de vínculos foram estabelecidos entre os membros das profissões intelectuais e os outros atores das mobilizações sociais (colaboração, cooperação, subordinação, dominação)? Que papel desempenharam os partidos políticos e as organizações católicas nesse encontro? Quando e como os vínculos entre esses diferentes atores da sociedade civil se distenderam?
Modalidade de apresentação:
As comunicações podem ser apresentadas em espanhol, português, francês ou inglês. As propostas (título e resumo de 3500 caracteres no máximo) devem ser enviadas até 30 de setembro de 2025 para o seguinte endereço: iberproxx@gmail.com
No final do colóquio, será aberto um prazo para o envio e seleção de textos para uma publicação académica dos resultados mais destacados.
Serão concedidas um total de 6 bolsas de viagem (até 100 euros cada) para cobrir as despesas de deslocação a Madrid dos estudantes de doutoramento que apresentarem comunicações. Para solicitar esta bolsa, deve indicar no e-mail enviado juntamente com a proposta, incluindo, neste caso, um breve CV (não mais de 600 palavras) que servirá para selecionar os beneficiários da ajuda.
Comité organizador:
Christophe Araújo (Universidade Paris Nanterre)
Rubén Cabal Tejada (Universidade Autónoma de Madrid)
Misael Arturo López Zapico (Universidade Autónoma de Madrid)
Céline Vaz (Universidade Politécnica Hauts-de-France)
Comité científico:
Irene Díaz Martínez (Universidade de Oviedo)
Xavier Domènech Sampere (Universidade Autónoma de Barcelona)
Ángeles González Fernández (Universidade de Sevilha)
Concepción Langa Nuño (Universidade de Sevilha)
Darina Martykánová (
Carme Molinero Ruiz (Universidade Autónoma de Barcelona)
Juan Luis Pan-Montojo González (Universidade Autónoma de Madrid)
Javier Tébar Hurtado (Universidade de Barcelona)
Carlos Sanz Díaz (Universidade Complutense de Madrid)
Nicolas Sesma Landrin (Universidade de Grenoble)
Luísa Sousa (Universidade Nova de Lisboa)
Instituições organizadoras:
Universidade Autónoma de Madrid (UAM)
Universidade Politécnica Hauts-de-France (UPHF)
Casa de Velázquez
Escalas. Grupo de investigação em história conectada da contemporaneidade
Atividade enquadrada no projeto IberPro: Grupos profissionais e Estados autoritários na Península Ibérica no século XX. Perspectiva comparada (Mediterrâneo, América Latina) que será apoiado pela Casa de Velázquez entre 2026 e 2028.
Calendário e lugar do colóquio:
12 de outubro de 2025 – prazo para envio das propostas.
20 de outubro de 2025 – Notificação dos resultados.